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23 de Abril de 2024

Guardar a torta para depois de minha execução

há 10 anos

Saiu na The Economist desta semana (7/3/12):

Guardar a torta para depois de minha execuo

Death for the mentally disabled When Bill Clinton was governor of Arkansas, he oversaw the execution of Ricky Ray Rector, a man so feebleminded that he said he would save the pecan pie from his last meal ‘for later’. In 2002 the Supreme Court ruled that putting mentally retarded people to death was a “cruel and unusual” punishment, and therefore unconstitutional. But the justices left it up to the states to define retardation (…) Florida’s test requires defendants to demonstrate both ‘significantly subaverage intellectual functioning’ and impairments in ‘adaptive behaviour’ like communicating and looking after oneself. Psychiatrists use a similar approach and, like Florida, consider an IQ score of 70 or below as indicative of mental disability. But unlike many states and against the medical consensus, Florida uses that score as a rigid cutoff point. Mr Hall’s IQ in 2002 was 71, so Florida considers him eligible for execution.

O artigo – que vale ser lido na íntegra - menciona o problema que a Justiça enfrenta sempre que precisa definir o que é uma pessoa mentalmente incapaz.

Em direito penal, três das principais funções da pena são: (a) ensinar ao criminoso que seu ato é inaceitável para a sociedade; (b) demonstrar para o resto da sociedade que o Estado leva a sério sua função de proteger a paz pública através da aplicação da lei; e (c) dissuadir outros potenciais criminosos de agirem de forma parecida.

Guardar a torta para depois de minha execuo

Não se pune uma pessoa mentalmente incapaz porque nenhum desses três objetivos seriam alcançados. Pessoas que não têm a capacidade de entender uma mensagem não irão ser dissuadidas por tal mensagem. A sociedade vai sair com a impressão de que o Estado comete injustiças. E um criminoso que é incapaz de entender a gravidade de seu ato não vai aprender que tal ato é inaceitável.

Como no exemplo do artigo acima, não se pode esperar que alguém que guarda um pedaço da torta para comer depois de sua própria execução saiba por que está sendo punido. Ou mesmo que saiba que está sendo punido.

Mas onde está o limite?

Todos somos diferentes. Alguns são mais inteligentes do que outros em algumas áreas do conhecimento. Outros são mais emocionalmente perspicazes que outros. Mas o fato de alguém ser menos inteligente ou ter menos acuidade emocional não o torna mentalmente incapaz.

Estar abaixo da média não significa incapacidade. Mas estar abaixo de um determinado ponto abaixo da média significa ser incapaz.

O problema é que esse ‘determinado ponto abaixo da média’ é algo impreciso. Tentar dar uma coloração científica a algo essencialmente subjetivo é perigoso.

No caso da Flórida, por exemplo, alguém com um QI de 71 está apto a enfrentar a pena de morte, mas alguém com um QI de 70 não está. Uma única pergunta errada em um exame pode definir entre a injeção letal ou a vida.

Magistrados, óbvio, não fazem a menor ideia de como definir se uma pessoa é mentalmente incapaz ou não. Por isso, usam laudo elaborados por especialistas.

Mas o fato de alguém ser especialista ou elaborar um laudo não faz com que seu trabalho adquira caráter inquestionável ou preciso.

Sim, basear uma decisão em um laudo feito por um especialista é melhor do que baseá-la na absoluta ignorância do tema pelo magistrado. Mas o risco ainda existe. Pior, um segundo risco aparece e quase sempre passa desapercebido: ao dizermos que o laudo foi elaborado usando métodos científicos e por um especialista, atribuímos a ele um caráter absoluto. Tendemos a também vê-lo como inquestionável.

Se até ciências exatas são imprecisas erros (Newton esteve errado por dois séculos até que um oficial do escritório de patentes na Suíça percebeu o erro), ciências humanas e biológicas são muito mais.

Para complicar, a lei brasileira se refere a desenvolvimento mental e não intelectual. Ela não define o que é desenvolvimento mental. Por isso não sabemos ao que exatamente se refere.

Guardar a torta para depois de minha execuo

Refere-se apenas à capacidade intelectual? Nesse caso, por que não disse capacidade intelectual?

Ou se refere também à inteligência emocional ou social? Neste último caso, qual o peso que se deve dar a cada uma?

Um psicopata como em Silêncio dos Inocentes, com altíssimo QI e capacidade de manipulação, mas sem qualquer capacidade de empatia ou controle sob sua psicose, é mentalmente incapaz? E um altista ou alguém que sofre da síndrome de asperger mas que tenha um QI acima da média? E alguém com baixíssimo QI mas alta capacidade emocional?

Sempre que ouvimos a palavra ‘laudo’ tendemos a percebê-lo como algo inquestionável. Mas ciências, especialmente as humanas e biológicas, são repletas de falhas e imprecisões.

Fonte: http://direito.folha.uol.com.br/1/category/2014/1.html

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/guardar-a-torta-para-depois-de-minha-execucao/113909504

4 Comentários

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Muito bom. continuar lendo

Parabéns pelo artigo.
Concordo plenamente que a verdade absoluta é apenas um ideal. Assim, por mais competente que seja um profissional, sempre haverá um toque de relatividade em suas conclusões, seja em qual área do conhecimento for: seja em relação ao tempo em que foram produzidas ou quanto ao espaço físico e geográfico; seja quanto aos aspectos contextuais, humanos e sociológicos que lhe informam. Grandes verdades têm sido revistas. Se Albert Einstein preconizou a relatividade, considerando a variável espaço-tempo; se as ciências exatas consignam uma margem de erro em seu rigorismo, que dirá então das psico-ciências que carecem de demonstração categórica? Assim, é preciso considerar que os laudos que orientam muitos julgamentos, independente da competência ou boa-fé de seus autores, não representa a verdade absoluta, categórica e indiscutível, pois o estudo das doenças mentais, psiconeurais, ou psiquiátricas e psicológicas ainda engatinha, pois já estamos na era da nanociência e as sondas espaciais avançam pelo cosmo afora. continuar lendo

Tema interessantíssimo. Em se tratando de pena capital, a legítima incompreensão das principais funções da pena a torna inconcebível. E nas penas de privação da liberdade cumpridas em ambientes indignos. Estamos ensinando ao criminoso que seu ato é inaceitável pela sociedade ou nos vingando pelo ato praticado? A vingança é solução ou alimenta o sistema? O princípio do final deste ciclo não está na boa educação e proteção da infância? continuar lendo

Artigo de grande relevância, parabéns! continuar lendo